Além das Animações

Para adentrarmos no tema a ser tratado nesse texto, precisamos ter como base as teorias que estudam o desenvolvimento infantil como a teoria do ambientalismo, de John Locke onde a mente infantil é considerada, inicialmente, uma folha em branco a qual é moldada pelas experiências vividas, e a teoria do nativismo, de Jean Jaques Rousseau a qual considera a criança com um senso moral inato. Levando em consideração a teoria ambientalista os programas de televisão influenciam diretamente no desenvolvimento moral das crianças. Já por outro lado, de acordo com o nativismo, isso não seria possível devido às características morais serem intrínsecas a criança. Essas teorias deram origem a criação de novas teorias, como a do aprendizado social, a qual cita como ambiente tem influência sobre as crianças, porém, não anula o fator biológico como algo responsável pela moral infantil..

Em um congresso federal realizado pela UNESCO, focado na relação da televisão  com a formação das crianças, concluiu-se que essa tecnologia oferece inúmeros benefícios ao acesso do conhecimento, porém, usualmente têm sido disponibilizados, na maioria das vezes, de forma antiética, considerando que as pessoas não vêem esse meio de comunicação como uma simples forma de entretenimento. Assim não há uma análise ao conteúdo transmitido, ficando mais suscetíveis às mensagens transmitidas explicitamente ou ocultamente, uma vez que são essas mensagens que influenciam os valores culturais, sociais e comportamentais que fazem parte do desenvolvimento da criança. Dessa forma, as crianças e  adolescentes enxergam o mundo fictício da mesma forma como os vividos na vida real, devido ao reconhecimento estrutural que compreende esses conflitos, visto que são representados transformando a falsa aparência em realidade, e, reforçam, além disso, tendências e ideologias presentes no mundo dos jovens, reforçando assim  a ideologia capitalista presente na nossa sociedade. Em um artigo (http://portalintercom.org.br/anais/sudeste2013/resumos/R38-1255-1.pdf) o qual trata do desenho Tom e Jerry há uma forte explicação para essas associações infantis entre o mundo real e fictício e a influência desses desenhos nessa mistura de mundos.

É nesse cenário em que o homem dirige-se aos padrões culturais impostos e reforçados pelos meios de comunicação, ou seja, os ideais culturais necessários a criação do homem na sociedade de consumo. Nessa perspectiva, o indivíduo é moldado socialmente pelos valores herdados, os quais são mutáveis com as ideologias, os valores advindos da sua época e, no contexto atual, os meios de comunicação de massa que passam a ter função decisiva  nesses ideais. Quanto aos meios de comunicação, mais restritamente a televisão, contribui para disseminar ideologias e dirigir de maneira equivocada a consciência dos espectadores, impondo um conjunto de valores como se fossem dogmaticamente positivos. São nesse contexto, de extrema influência midiática que se inserem os programas/desenhos voltados ao público infantil. Desde a sua criação, os desenhos animados, que se acredita ter começado a partir da criação dos brinquedos, na maioria circense – davam ilusão de movimentos aos olhos humanos ao provocarem um fenômeno óptico. Dessa forma, descobriu-se que ao criar imagens fixas e seguidas com uma pequena diferença de posição entre cada um remetia-se a sensação de movimento, permitindo uma impressão muito forte da realidade.  Pode ser concluído que o desenho é a transmissão de uma mensagem inexistente, ou seja, o movimento. Com essa mesma ideologia os valores por trás dessa mídia são transmitidos, sem que a criança e até os pais percebam o que está sendo repassado ao público infantil (https://desenhosanimado5.wordpress.com/a-historia-do-desenho-animado/)

Ao falarmos da história da criação dos desenhos animados, não podemos deixar de mencionar um dos mais destacados artistas dessa área, Walt Disney, ao qual tendo como legado a construção do seu império cinematográfico voltado ao público infantil, disseminou sua forte influência ideológica e política associadas em conjunto com as mensagens subliminares presentes nos desenhos aos quais são utilizadas como veículos de divulgação de valores culturais norte-americanos que são comumente perpassados entre os jovens do mundo todo.

A mídia é um meio presente e recorrente no cotidiano das pessoas. No entanto, essa presença pode ter resultados variados, sendo esses bons ou ruins. Infelizmente, devido às classes que estão no poder da produção midiática, essa entrada midiática na vida da população torna-se, muitas vezes, maléfica.

Aprofundando-se nessa questão, é possível perceber que as crianças não estão livres disso, muito pelo contrário. A ingenuidade e mente influenciável devido ao caráter formador da idade das crianças, em muitos espaços, fazem com que, essas sejam o público alvo de propagandas, programas de TV e, principalmente, desenhos animados.

Adentrando um pouco mais da seara dos desenhos animados, é possível perceber que na maioria dos casos, tudo tem um “porquê”. Essas animações não são feitas sem que haja uma intencionalidade.  Esses motivos midiáticos vão desde conscientização sobre algum aspecto e transmissão de conhecimento até a perversa imposição de ideais consumistas e desejos superficiais.

Essa manipulação das crianças feita de forma até incisiva pelos desenhos animados não é uma prática exclusiva dos tempos atuais. Livros como o intitulado “Para Ler o Pato Donald” (https://monoskop.org/images/e/ef/Dorfman_Ariel_Mattelart_Armand_Para_ler_o_Pato_Donald_Comunicacao_de_massa_e_colonialismo_2a_ed.pdf) nos revelam que as mensagens transmitidas para as crianças tinham o propósito -inclusive- de desvalorizar alguns ideais e lutas.

Na contemporaneidade, essa manipulação pode não ter os mesmos motivos específicos, mas se adaptou à modernidade e mostra às crianças outras questões que são os atuais interesses da elite social. Esses interesses se baseiam basicamente na maximização dos lucros, advindo da força das corporações no mundo e isso é alcançado com a indução desse público jovem a pedir e muitas vezes implorar aos seus pais para comprarem produtos que carregam determinado tema acreditando na mensagem que é passada pela mídia -teoricamente- voltada ao público infantil.

Para as crianças, os heróis e personagens que são representados nas televisões se tornam modelos a serem seguidos, desde sua personalidade até a sua vestimenta. É aí que o ocorre a massificação desse público. Todas elas querem a mesma mochila, a mesma lancheira, o mesmo brinquedo, e até as mesmas fantasias e quem lucra com isso é justamente a classe que detém o meio de produção dos produtos: a mesma que financia a elaboração desses desenhos.

Todavia, o cenário não está completamente devastado. Há o surgimento de uma contraproposta; novos desenhos animados infantis com mensagens interessantes a serem entendidas por crianças. Apesar dessas produções ainda incentivarem o consumo de alguma forma, não aparenta ter essa consequência como objetivo final. Steven Universo[1] (https://www.youtube.com/watch?v=t_ag7-Abgko) é um exemplo disso. Essa animação se utiliza da metáfora de fusões para mostrar para as crianças diversos tipos de relações como confiança, amizade, amor, relações homo afetivas, abusos e até estupro como é detalhado no texto “Stroger Than You” (http://www.periodicos.ufpb.br/index.php/tematica/article/view/39323/19901) .

De fato, a indústria midiática, principalmente a do desenho animado, não é inocente. Ela visa sempre a maximização do lucro e para isso se usa de ferramentas que nem sempre, ou na maioria das vezes, não são as mais éticas, como é mostrado em um trecho do documentário The Corporation (https://www.youtube.com/watch?v=Zx0f_8FKMrY). Mas isso pode ser mudado. Caso ocorra o incentivo de criação e divulgação de desenhos educativos[2] , que valorizem a diversidade cultural, a criticidade e a colaboração, dente outros valores, as crianças poderão ter uma infância muito menos influenciada e mais livre de pressões do capital.

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