A problemática da saúde mental nas relações de trabalho dentro do sistema capitalista

 

Ao longo da história, vemos que em todos os modelos econômicos, foi dada pouca importância às questões humanas. Entretanto, no capitalismo nota-se a intensificação desses aspectos. No discurso capitalista, voltado ao trabalho, propriedade privada e acúmulo de capital, ocorre simultaneamente a valorização do trabalho e desvalorização do trabalhador.

Essa relação problemática impacta diretamente na produção subjetiva do sujeito e a mesma pode se manifestar através do adoecimento coletivo desse grupo que vende sua força de trabalho. Esse é um exemplo pontual de como o capitalismo produz e gere crises para além do recorte econômico.

Primeiramente, é importante definir o que é saúde mental, o qual não existe consenso de sua definição, mas que é caracterizado pelo equilíbrio entre uma pessoa e o seu meio sociocultural, permitindo ao sujeito saber responder às demandas de convivência social, ter relação positiva com si mesmo, resiliência, possibilidade do indivíduo ter uma posição crítica com a realidade, além de certa autonomia. E por isso, para que não haja a promoção do adoecimento mental, é necessária a existência de um ambiente que respeite e proteja os direitos básicos civis, políticos, socioeconômicos e culturais das pessoas.

A relação entre desgaste mental e trabalho é facilmente identificada, apesar de pouco reconhecida. Na maioria das vezes, a questão social intrínseca é retirada das causas de doenças, colocando a culpa de algo que é de nível coletivo, no individual. Trabalhadores acabam por adoecer devido a precarização no mundo do trabalho, que tem como base fatores sociais, tais como: o aumento da competitividade, falta de reconhecimento e valorização social, fragilização dos vínculos entre colegas e, por fim o perigo do discurso proativo, no qual, muitas vezes, se romantiza o excesso de trabalho desempenhado.

Além dos pontos citados acima, vistos no artigo “Relação entre saúde mental e trabalho: a concepção de sindicalistas e possíveis formas de enfrentamento”, correlacionamos com o debate acerca do filme “The Corporation” (Canadá, 2004) a configuração econômica envolvida e a busca da manutenção das necessidades básicas humanas por parte dos trabalhadores, tais como alimentação e moradia. Algumas empresas valem-se da mão de obra barata e falta de assistência social por parte do estado – encontrada em alguns países tidos como de terceiro mundo -, para atuarem de forma irresponsável com relação à vida humana. A exemplo disso, vemos:  estabelecimento de jornadas exaustivas; existência de dormitórios nas próprias indústrias, estreitando cada vez mais a vida pessoal e trabalho; situações análogas à escravidão; remunerando de forma irrisória e transformando seus trabalhadores em meros objetos que auxiliam no alcance do lucro.

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Fonte: Will Tirando

Condições de trabalho precarizadas e a tensão constante dos trabalhadores, que são considerados pela indústria capitalista como substituíveis, por desempenharem tarefas “mecânicas” e se submeterem a diversas situações (devido a necessidade de sobrevivência), podem conduzir a sérios problemas relacionados à saúde mental, como síndrome de burnout, depressão, o suicídios, abuso de álcool e outras drogas, psicossomatização, fadigas, entre outros.

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Fonte: BIBLIOTECA INDICA: TRABALHO, PRAZER OU OBRIGAÇÃO?

O capitalismo industrial, que teve como suporte a globalização, promoveu grande impacto na economia devido as suas transformações técnicas e seu novo modo de produção, possibilitando, por exemplo, a fabricação e distribuição de smartphones em larga escala. Mas a que custo tudo isso é possível?

Práticas empresariais abusivas tornam possíveis a existência de casos absurdos como os suicídios ocorridos em 2010 no complexo empresarial da Foxconn (empresa associada a Apple na produção de seus Iphones e Ipads), onde ocorreram 18 tentativas de suicídio, com 14 mortes confirmadas. O complexo confunde-se com uma cidade por conta de suas dimensões. São estimadas cerca de 400.000 pessoas trabalhando/vivendo no espaço. Dentro das fábricas são relatados casos de assédio moral e sobrecarga de trabalho, onde se cria um ambiente quase militar de exigências de conduta. Os suicídios são um retrato do quão prejudicial à subjetividade e saúde humana a relação de trabalho precarizada pode ser.

A saúde mental é uma problemática urgente de atenção, principalmente ao tratar de algo tão interligado a existência humana como o trabalho. O modelo econômico atual estima o trabalho, mas peca em não considerar aqueles que o desempenham como dotados de subjetividade. Humanizar as relações de trabalho e identificar as causas do adoecimento crescente da população sujeita a estes ambientes degradantes e tratá-los como preocupação de saúde coletiva pode ser um bom começo para mudar o quadro preocupante encontrado hoje.

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