A questão do lixo na sociedade contemporânea e seus impactos

lLixão de Santa Luz – BA (Fonte: Bismarck Araujo)

É uma verdade que, imersos numa sociedade cada vez mais capitalista, fato comprovado no documentário “Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá” de Silvio Tendler (baseado no livro “Por uma outra globalização” de Milton Santos), parar de consumir é utopia. Não obstante, será que o problema reside em consumir, ou no seu exagero? Será que a questão do lixo é um problema individual? Na Idade Média, o lixo era depositado nas ruas e imediações das cidades provocando epidemias que dizimaram populações. Posteriormente, com as Revoluções Industriais e a urbanização, os centros produziam grandes quantidades de detritos e as medidas de saneamento existentes não eram eficazes. Atualmente, entretanto, parece que o cenário de outrora ainda revive tomando como base o lixo que ainda, após séculos, é descartado de forma indevida e leviana. Sob essa ótica, e como consequência dessa conduta irracional, o volume de lixo cresce vertiginosamente na contramão das políticas públicas as quais seriam capazes de atenuar esse hábito errôneo de consumir, mesmo sem necessidade. Fato exemplificado, brilhantemente, pelos retratos do fotógrafo Bismarck Araujo, que conta histórias do povo que precisa ser visto, ao destacar a quantidade exorbitante de resíduos sólidos.

Desse modo, como reflexo desse descarte inapropriado, tanto nos lixões a céu aberto, quanto nos rios, lagos e mares, há produção de metano, chorume e detritos sólidos que – lamentavelmente – provocam contaminação de diversos ecossistemas, causando impactos para todo o ambiente da região.

k(Fonte: Ambiente Legal)

Contudo, esses impactos não agridem somente a natureza. Nessa perspectiva, a questão do lixo interfere também, pungentemente, na vida dos indivíduos na medida em que muitos desses, como única forma de sobrevivência, se sujeitam aos lixões a céu aberto, onde há uma disputa desumana entre animais e pessoas em busca do sustento. Dessa forma, o que é lixo para muitos é a fonte de subsistência para outros, que recorrem a ele em busca de alimento e geração de renda. Essa situação deriva e fomenta a extrema pobreza e a desigualdade social tão marcantes em todo o mundo, retratadas no conceito de “O mundo como é: a globalização como perversidade” (Milton Santos, 2001).

aLixão de Santa Luz – BA (Fonte: Bismarck Araujo)

b.pngLixão de Santa Luz – BA (Fonte: Bismarck Araujo)

cLixão de Santa Luz – BA (Fonte: Bismarck Araujo)

Esse sofrimento é comprovado, de forma clara, através de relatos de pessoas que vivem nessa dura realidade, a exemplo de uma moradora no Lixão da cidade de Santa Luz- BA.

Em segundo plano, o aumento do consumo compulsivo no planeta é evidenciado pelo relatório “O Estado do Mundo”, publicado pelo Worldwatch Institute, o qual diz que, nas últimas cinco décadas, o consumo cresceu seis vezes, enquanto a população mundial aumentou apenas 2,2 vezes. Ou seja, o consumo por pessoa triplicou nos últimos 50 anos. Esse dado é impactante tanto na perspectiva individual, quanto na coletiva, já que esse consumo sem limites, sobretudo de bens supérfluos e/ou que possuem ciclo de obsolescência programada, é um dos principais agravantes da quantidade demasiada de lixo no globo. Desse modo, uma das alternativas para amenizar essa situação é a logística reversa, que consiste no planejamento e no controle (desde o ponto de origem até o ponto de descarte) dos bens produzidos. Nessa ótica, o consumidor devolve o material em desuso ao comerciante, que, por sua vez, o encaminha ao fabricante e esse último se responsabiliza pela reciclagem ou pelo descarte adequado desse resíduo.

dLogística reversa (Fonte: Texaco Lubrificantes)

O Brasil, seguindo essa mesma tendência capitalista, ocupa a quinta posição entre os países que mais produzem lixo no globo. Há, no país, a lei de Politica Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), promulgada no ano de 2010, baseada na Política dos 5 R’s, que prioriza a redução do consumo e o reaproveitamento dos materiais em relação à sua própria reciclagem. Todavia, percebe-se certa negligência, tanto no cumprimento dessa lei, quanto por parte da população, uma vez que essa parcela se exime dessa responsabilidade que é um tanto coletiva. Sob essa égide, a falta de fiscalização, bem como a carência de investimentos públicos e privados dificultam o aproveitamento do lixo e corroboram para que não haja, de fato, efetividade desse projeto.

Destarte, depreende-se que a problemática do lixo é muito mais ampla do que se imagina e, por isso, perpassa questões de ordem social, individual e de saúde pública. Nesse contexto abordado, devemos nos questionar sobre nossas “inofensivas ações” cotidianas. Assim, é preciso que nós, enquanto cidadãos, não sejamos omissos frente a esse entrave no que concerne às responsabilidades relacionadas ao lixo e, por conseguinte, devemos repensar nossas atitudes relacionadas ao consumo e ao descarte dos resíduos sólidos. Nesse sentido, valem as reflexões: É realmente necessário fazer o uso conjunto de um canudo plástico e um copo? Não seria melhor usar uma sacola reutilizável no lugar de várias sacolas plásticas? Esses, dentre outros tantos atos, só reiteram o poder que a cultura do capitalismo exerce sobre nós e de quanto esse modelo nos faz de “fantoches”, assim como exemplificado na “Globalização como fábula” do documentário “Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá”.

Todavia, é crucial que, para que haja, de fato, uma mudança de postura é preciso que todos os setores sociais estejam em comunhão como uma tríplice: Estado, indivíduo e sociedade, além da participação, essencial, do setor privado, elencando uma real transformação. Dessa forma, é importante que a sociedade cobre a efetivação de políticas ambientais pré-existentes e, até mesmo, a criação de novos projetos que sejam capazes de beneficiar o seio social e, por conseguinte, o ecossistema local.

Em contrapartida, limitar o poder que as Corporações exercem sobre nós é uma situação extremamente difícil, dada a carga de influência que nos faz comprar exageradamente e, como consequência, sempre contribuir para o aumento de resíduos sólidos. Somado a isso, no entanto, o Governo poderá promover incentivos fiscais para aquelas empresas que conseguirem bater metas de reduções de resíduos sólidos como forma de promoção. Porém, para as que não conseguirem, deverá impor severas multas para que repensem os danos que o setor privado causa ao meio ambiente.

O excerto, portanto, convida você, caro leitor, a repensar: esta é a paisagem que você pretende apreciar? É este o ambiente que você deseja deixar para suas gerações futuras?

eLixão de Santa Luz – BA (Fonte: Bismarck Araujo)

Referências Bibliográficas:

Encontro com Milton Santos: O mundo global visto do lado de cá. Direção: Silvio Tendler. Produção: Silvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas, 2006.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora Record, 2001.

WORLDWATCH INSTITUTE. O estado do mundo. Washington, DC. 2010.

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